sempre quis tocar a lua. descobri que há várias formas de lá chegar. não é preciso ser-se astronauta afinal.









sexta-feira, 8 de junho de 2012

Oportunidade

num repentino momento de alento,
peguei em toda a minha alma e, sem qualquer calma,
porque a calma já me travou e tanto amansou,
nesta atrocidade a que chamam sociedade,
lancei-me num desafio com brio.
corri com tanta energia que o chão estremecia.
juntei roupas numa mala e como música que me cala,
o som do fecho espelhou um desfecho,
de algo antigo que quer à força seguir comigo.
não queria fugir, queria partir.
olhei-me no espelho, já não era um fedelho.
a barba por fazer, fazia crer
que homem era, pudera.
observava-me e calava-me.
os anos passaram por mim e esta barriga ficou assim.
o tempo estacionou e no meu rosto se estampou.
o preço da idade são estas rugas, na verdade.
olhei em redor e não me senti melhor.
este é o meu porto seguro, que duro,
mas, prefiro não te ver a cada esquina, que sina.
e aqui vou eu, num destino que poderia ser meu e teu.
vou sozinho, encontrar outro ninho.
será o meu deserto, incerto, é certo,
o meu crescimento numa estrutura de cimento.
vou fazer um favor à minha dor.
largá-la num oceano sem qualquer dano.
ficarei sem vontade de voltar a esta cidade.
foi aqui que te conheci, que te sorri.
olhaste-me e não me viste, que triste.
as lágrimas caem ácidas mas impávidas,
a mala ainda em cima da cama, que drama.
não, que desilusão.
isto está errado, partir sem o meu amor ao lado.
não quero mais fugir, não quero mais partir.
quero ter a coragem da miudagem.
quero correr ao encontro dela e dizer-lhe como é bela.
dizer-lhe como a vejo todas as horas, sem demoras.
quando passa sozinha ou acompanhada sempre atarefada,
de papeis na mão pois então.
nunca lhe disse, que tolice.
abri a mala e sem fala,
esvaziei-a e logo arrumei-a.
era a minha nova viagem com uma nova bagagem.
saí e consciente aceitei o presente.
desci pela viela e lá estava ela.
corri, tropecei e caí.
pela primeira vez olhou-me e contemplou-me.
os nossos olhos sorriram com o que sentiram.
pela primeira vez ouvi-a e perto senti-a.
uma esperança chegou com a bonança.
ali no chão deitado, já só pensava em pecado.
os lábios que me falavam, já me tocavam.
deu-me a mão e eu coloquei-a no meu coração.
não me esqueço do calor, só podia ser amor.
afinal é verdade, é uma questão de oportunidade.

terça-feira, 17 de abril de 2012

observador

da minha janela
vejo-te.
da minha janela
vejo-te
todos os dias.
da minha janela
vejo-te
todos os dias
à mesma hora.
da minha janela
vejo-te
todos os dias
à mesma hora
a andar apressadamente.
da minha janela
vejo-te
todos os dias
à mesma hora
a andar apressadamente
na mesma direcção.
da minha janela
vejo-te
todos os dias
à mesma hora
a andar apressadamente
na mesma direcção
com o mesmo ar cansado.
da minha janela
vejo-te
todos os dias
à mesma hora
a andar apressadamente
na mesma direcção
com o mesmo ar cansado
mas com uma roupa diferente.
és alguém, eu sou um gato.
és livre?
devias ser. e eu também.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

outubro

rodopia o outubro,
ao rubro.
lá por volta de cá.
em tons de algodão doce
ora não fosse,
este sol que aquece
e apetece,
abraçar a avó, a tia,
que alegria.
e, numa dessas tardes
com compadres,
o vinho que fala e não cala
as vozes mais danadas.
fala-se de tudo,
contudo,
alguém se levanta, canta e
não encanta.
aplaudem com desdem,
mas que bem.
isso não importa, suporta.
agonia, atrofia.
os olhos cerram e encerram,
num corpo mole que cai
e sobressai
num colchão vazio,
sem brio,
ali, deitado, sorri,
olha o tecto, recto
respira, suspira
enfim,
ai de mim.
só.
rodopia o outubro,
ao rubro.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

pai

ainda mal andava e lá ia eu
a caminho do mar. a ziguezaguear.
davas-me sempre a mão.
na tua mão,
senti que a areia me fazia cócegas.
eu ria, ria muito.
mas tu não sabias porquê.
rias também.
se soubesses o quanto ri com tão pouco.
um grão de areia apenas
fazia-me soltar a maior das gargalhadas.
a água fria é que me fazia chorar e gritar.
mas era o frio que me incomodava
não era o medo como pensaste.
na tua mão,
não sentia medo. Queria ir mais além,
brincar com as ondas como fazem as gaivotas.
não me deixavas, puxavas-me para trás.
eu ria, ria muito.
mas tu não sabias porquê.
rias também.
e pegavas-me ao colo sempre que a onda era grande.
era tudo tão grande. E eu pequenina, tão pequenina.
na tua mão,
sentia-me grande.
foi nesse dia que,
na tua mão,
soube porque és meu pai.

terça-feira, 22 de março de 2011

primavera

estava uma manhã ensolarada.
ouvi um carro chegar.
eras tu.
com o teu sorriso sempre bem composto.
saltei do baloiço e corri.
o ranger da velha corrente fazia-se ouvir.
e resmungaste pelo barulho.
eras muito sensivel ao barulho.
sorri nos teus olhos.
não falei.
não falava muito contigo.
também não falavas muito comigo.
descalcei-me e subi para o teu colo.
de lá o céu ficava mais perto e mais azul.
mas o que eu gostava mesmo.
mesmo.
era continuar a subir.
subir até aos teus ombros.
abrir os braços
e de lá,
ver papoilas nascer,
ver andorinhas chegar,
ver margaridas crescer,
ouvir tordos cantar.
sentir a brisa amena.
cócegas. rir.
a primavera.
chegava.
aqui.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

espero por ti

eram seis horas da manhã e não conseguia dormir.
o meu corpo estava colado à cama, enroscado num cobertor amarelo.
olhei para o candeeiro no tecto. estava a ficar com manchas.
é raro olhar para o tecto.
bem me tinham avisado para não comprar branco.
gosto do branco.
sentia frio. o meu coração batia rápido nos meus ouvidos.
nem conseguia sequer sonhar.
eu sei o que se passa.
houve um tempo em que era fácil.
sem mais nem menos, surgiam-me inúmeras películas.
notas musicais e beijos roubados.
desencontros propositados e despropositados reencontros.
romantismos de mercado, baratos e bons.
agora já não me basta sonhar.
sentia o tempo caminhar a meu lado também deitado.
num grito surdo-mudo, levantei-me tenso e parti.
os primeiros vestígios daquele dia surgiram em tons de cinza e violeta.
estava frio. estava silêncio.
os gatos espreguiçavam-se.
gosto de ver os gatos a bocejar. fazem-me rir.
naquele momento, desejei um ombro para abraçar.
a humidade no chão adivinhava chuva.
passou uma galinha por mim. o que fazia ali uma galinha?
inspirei o ar fresco. olhei à minha volta.
a pouco e pouco o mundo acordava. e eu desejava dormir.
vou comprar um relógio e acertar as horas com o tempo.
entrei num café. cheirava a lixívia e a pão acabado de fazer.
bebi um chocolate quente.
soube bem.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

16 horas e 30 minutos

são 16 horas e 30 minutos.
hora exacta em que ela abre a porta do prédio
e sai.
para onde não sei.
nem quero saber.
apenas contemplo a sua saída.
todos os dias entro no prédio a essa hora.
todos os dias nos cruzamos.
menos aos sabados e domingos.
sinto saudades aos sabados e aos domingos.
digo-lhe boa tarde.
ela sorri e sai.
eu entro.
desejo o amanhã de imediato.
hoje ela está especialmente bonita.
um vestido em crepe castanho.
as formas do corpo dançam firmes.
e eu danço com elas.
a verticalidade desaparece pela calçada abaixo,
em tons de tique taque.
o dia continua.
são 16 horas e 35 minutos.
hora em que começo a distribuição do correio.
quem me dera pelo menos saber o seu nome.