num repentino momento de alento,peguei em toda a minha alma e, sem qualquer calma,porque a calma já me travou e tanto amansou,nesta atrocidade a que chamam sociedade,lancei-me num desafio com brio.corri com tanta energia que o chão estremecia.juntei roupas numa mala e como música que me cala,o som do fecho espelhou um desfecho,de algo antigo que quer à força seguir comigo.não queria fugir, queria partir.olhei-me no espelho, já não era um fedelho.a barba por fazer, fazia crerque homem era, pudera.observava-me e calava-me.os anos passaram por mim e esta barriga ficou assim.o tempo estacionou e no meu rosto se estampou.o preço da idade são estas rugas, na verdade.olhei em redor e não me senti melhor.este é o meu porto seguro, que duro,mas, prefiro não te ver a cada esquina, que sina.e aqui vou eu, num destino que poderia ser meu e teu.vou sozinho, encontrar outro ninho.será o meu deserto, incerto, é certo,o meu crescimento numa estrutura de cimento.vou fazer um favor à minha dor.largá-la num oceano sem qualquer dano.
ficarei sem vontade de voltar a esta cidade.foi aqui que te conheci, que te sorri.olhaste-me e não me viste, que triste.as lágrimas caem ácidas mas impávidas,a mala ainda em cima da cama, que drama.não, que desilusão.isto está errado, partir sem o meu amor ao lado.não quero mais fugir, não quero mais partir.quero ter a coragem da miudagem.quero correr ao encontro dela e dizer-lhe como é bela.dizer-lhe como a vejo todas as horas, sem demoras.quando passa sozinha ou acompanhada sempre atarefada,de papeis na mão pois então.nunca lhe disse, que tolice.abri a mala e sem fala,esvaziei-a e logo arrumei-a.
era a minha nova viagem com uma nova bagagem.saí e consciente aceitei o presente.desci pela viela e lá estava ela.
corri, tropecei e caí.pela primeira vez olhou-me e contemplou-me.os nossos olhos sorriram com o que sentiram.pela primeira vez ouvi-a e perto senti-a.uma esperança chegou com a bonança.ali no chão deitado, já só pensava em pecado.os lábios que me falavam, já me tocavam.deu-me a mão e eu coloquei-a no meu coração.não me esqueço do calor, só podia ser amor.afinal é verdade, é uma questão de oportunidade.