sempre quis tocar a lua. descobri que há várias formas de lá chegar. não é preciso ser-se astronauta afinal.









terça-feira, 18 de janeiro de 2011

16 horas e 30 minutos

são 16 horas e 30 minutos.
hora exacta em que ela abre a porta do prédio
e sai.
para onde não sei.
nem quero saber.
apenas contemplo a sua saída.
todos os dias entro no prédio a essa hora.
todos os dias nos cruzamos.
menos aos sabados e domingos.
sinto saudades aos sabados e aos domingos.
digo-lhe boa tarde.
ela sorri e sai.
eu entro.
desejo o amanhã de imediato.
hoje ela está especialmente bonita.
um vestido em crepe castanho.
as formas do corpo dançam firmes.
e eu danço com elas.
a verticalidade desaparece pela calçada abaixo,
em tons de tique taque.
o dia continua.
são 16 horas e 35 minutos.
hora em que começo a distribuição do correio.
quem me dera pelo menos saber o seu nome.

num dia de setembro

lembro-me de me sentar a teu lado e perguntar porque me segue a lua.
lembro-me de olhares para mim e sorrires sem responder.
o cheiro a trigo seco, lembras-te?
os pirilampos alumiavam o caminho aos grilos.
tive um numa caixinha de fósforos.
tamanha crueldade, sem maldade.
lembro-me de me sentar a teu lado e perguntar porque o sol mergulha no mar.
lembro-me de olhares para mim e sorrires sem responder.
o cheiro a nivea, lembras-te?
como gostava de tirar a prata da caixa azul e estrear o creme.
as pulgas da areia pulavam de contente.
a mim irritavam-me e ainda me irritam.
lembro-me de me sentar a teu lado e perguntar porque tem o arco-iris sete cores.
lembro-me de olhares para mim e sorrires sem responder.
o cheiro a terra molhada, lembras-te?
as andorinhas despediam-se dos ninhos e partiam.
os cadernos a estrear e lápis por afiar.
os livros com a matéria nova em folhas brilhantes.
lembro-me de me sentar a teu lado e perguntar porque sou tua neta.
lembro-me de olhares para mim e sorrires sem responder.
agora percebo porque nunca me respondeste.
para que continue a perguntar.

casa

caminho na tua direcção.
a luz do sol ofusca-me a visão.
mantenho-me direita, apesar da irregularidade da estrada.
caminho em frente.
passo por um cruzamento à direita. dois.
afinal são dois à direita e um à esquerda.
sorrio para um cão que encontro a abanar a cauda.
o chão fica mais regular, já posso apressar o passo.
observo-me e penso “para que me apresso?”
realmente, porquê?
mais depressa chego, mais depressa saboreio.
mais depressa lembro e mais depressa esqueço.
retomei o passo lento, muito direita.
não devido às características da estrada, desta vez,

mas para manter a postura.
há que manter a postura, dizem.

há que manter o princípio de se ser bípede, digo.
arranco uma amarga amarela e meto na boca.
trinco-a e faço uma careta. é boa.
agora é a subir, custa um pouco com todo este calor.
mas subo. penso e tento não pensar.
há momentos em que gosto de sentir apenas

e esquecer para onde vou.
o suor brota e faz-me cócegas na testa.
falta pouco, mas parece-me que falta tanto.
paro e olho para trás. que bela vista.
poderia escrever um livro com esta imagem,
mas não gosto de longas descrições,

principalmente de paisagens. nada como contemplar.
gosto de usar as palavras em gentes, sentimentos, situações e afins.
passa-se tudo num lugar, é certo.
e é certo que o local é importante.
é ele que nos acolhe e à acção.
mas a tristeza ou alegria de alguém é-me mais relevante,

mais interessante,
que a madureza da cereja ou as folhas caídas no chão.
é uma mera opinião, nada mais.
livres somos todos, pelo menos, de pensar.
e lá estou eu a divagar.
passa uma mãe com um menino.
de mãos dadas, apressam-se pela ladeira abaixo.

bom dia, dizemos todos.
continuo a marcha.
o sol torna-se mais quente à medida que a hora avança.
o estômago reage ferozmente, assim de repente.
chego ao cimo e já não olho para trás.
continuo em frente, sem qualquer cruzamento.
o sino badala lá em baixo.
conto as primeiras badaladas, mas não quis saber o resto.
não é importante.
assola-me uma dor.
uma felicidade.
já te avisto.
entro.
como é bom voltar a ti, como é bom voltar a casa.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

a noite traz


na noite que por aqui passou,
uma mão o cabelo me afagou,
aninhei-me no seu odor
e senti toda a tua dor.

na noite que por aqui passou,
uma brisa do sul me acordou,
de tão suave e fresca maresia,
era a tua alma que eu sentia.
 
na noite que por aqui passou,
algo de branco em mim ficou,
um devaneio, um belo tormento,
um devir que hoje não lamento.

na noite que por aqui passou,
quando a lua também se calou,
adormeci e sonhei contigo,
para de manhã despertares comigo.

tu aí

não sei o teu nome.
não sei o nome com que te chamam.
não sei o nome por que voltas a cabeça.
nem aquele por que te amam.
sei que te sonhei ontem.
sei que te vi diante de mim.
sei que não te sei.
mas nunca me senti assim.
és coragem inocente de criança.
és medo escondido de homem.
és aroma de verão entranhado.
és pensamentos que me assomem.
rompes e irrompes em silêncios baldios,
rasgas os meus versos da razão,
vincas as pregas impetuosas e manhosas,
uso o sim quando devo usar o não.
não te quero sonhar apenas,
sei que não te posso chamar,
és aquele por quem não espero,
o tal que eu vou amar.

rosa

brandam as vozes tumultuosas,
em naus brandas de outrora.
condição de águas e ventos
anunciados com a aurora.
os meus lamentos e desalentos;
sorumbáticos passantes,
a poucos instantes de um eco
em lugares distantes.
ígneas vontades,

perfiladas,
em pequenas maldades.
achados chãos,
sem qualquer estrada
nem calmarias,
assim serei amada.
verão os campos meus olhos
em lágrimas de rosas brancas.
um rio suave, que me festeja
com um aluvião de pétalas.

abraço-te.

família

na escadaria centenária,
esverdeada pelo tempo,
descem e sobem,
sobem e descem,
gentes de todos os tamanhos.
o avô e a avó lembram-se,
em tardes de Março,
de descidas repentinas, em corridas.
o neto e a neta sonham,
em noites de Junho,
com subidas no azul, em nuvens esculpidas.
o pai, a mãe e os filhos encontram-se a meio,
em manhãs de Novembro,
lá, onde se combinam os encontros
com uns
e os desencontros com outros.
um momento, mais precisamente
ao meio-dia,
coisa menos coisa,
de um dia qualquer,
os degraus ofuscam em tons prata
todos estes passos de gigantes e de anões.
apenas transparecem as mentes,
sorridentes,
de uma família.

silêncio bendito

em filas silenciosas,
manhosas,
sentam-se pensamentos.
diários de bordo,
em linhas desviadas,
inventadas.
mais um dia mental ou de metal.
brutal.
o cansaço é cerrado.
o trabalho é danado.
em filas silenciosas,
manhosas,
estranham-se sorrisos.
há aromas que se misturam.
e há quem case ao anoitecer.
bendito silêncio.

amor d'ouro

posso falar
para ti.
tu, que não me ouves.
posso dançar
para ti.
tu, que não me vês.
posso pensar-te.
tu, que não me pensas.
posso sonhar-te então.
Amor d'Ouro...

lapso


um lapso de palavras. momentâneo.
mente ausente.
uma tentativa de calar
quem grita com os olhos
e sorri com as mãos.
o ímpeto, como lhe chamam,
cavalga em silêncios latentes
de almas valentes.
o lapso quer manter-se de espada em punho.
mente ausente.
mas o ímpeto, pós-captura,
volta com candura.
formam-se exércitos de palavras,
e o silêncio foge com o lapso.
mente consciente.
transformo um tormento em alento.
é sentimento. desperto.

tango

fez-se silêncio. saíram todos.
a lua cresce lá fora. a saudade cresce cá dentro.

o jantar correu bem. sentei-me na cadeira junto à janela.
sempre fui mais de luas, do que de saudades.

dou um golo no chá. está frio.
mas, há sempre um mas.
confesso hoje às estrelas,

que me ouvem e não me podem calar,
como um sentimento assim, veio cravar-se em mim.

tenho saudades.
tão grande amor chegou para tão grande amor partir.
faço mais chá, desta vez de camomila.

de qualquer forma, é bom sentir.
seja amor ou dor, esperança ou saudade.
sempre fui mais de luas, do que de saudades.
sento-me de novo. sopro o chá quente.
mas, há sempre um mas.
agora sim, bebo o chá.

foi numa manhã ensolarada que, abraçados ao sol,
descobrimos o nosso beijo. um umbigo que nos abriga.
tenho saudades.
uma brisa urge da janela.
e,
afinal nem dançámos o tango.

domingo, 16 de janeiro de 2011

valsa

inspira que me respiras.
disse eu.
bem sei, és tu.
trazes alento e tormento,
como a brisa e o vento.
ou sem metáforas,
como o pensamento e o sentimento.
és vento dentro de ti.
agarro-te de mãos abertas,
liberto-te.
tu conheces o caminho até lá.
até já.
no fundo de mim.
vês-me nua como a lua.
sim, lá também te encontras a ti.
tens medo, tenho medo.
acordo-te.
daçamos a valsa.

borboleta

fechas os olhos,
pensas em mim.
sussurras no escuro do teu ser,
o brilho de palavras soltas,
por aí.
num rodopio em fá maior,
abres a porta,
com uma chave, aquela que te dei.
caminhas ao lado da sombra,
de mãos dadas com o significado,
zombas com o sentido,
retido mas nunca compreendido.
nem deve. atreve. ousa.
caminhar, não em voltar.
mesmo que vás, voltarás.
porque tudo aqui gira,
tudo aqui é vaivém,
tudo aqui dança,
tudo aqui evapora e chora.
ir. provir. vir.

és vivo.

sabor a dor

sem sinais de querer partir,
a dor encravou-se.
em mim tornou-se.
mas num destes dias acordou,
e depois de tanto sentir
de mim se cansou.
e lá foi ela.
com promessa assente,
como uma donzela
com o destino indulgente.
de a mim voltar,
cavalheiro da dor viajada.
a dor poderá entrar,
na vida dissimulada.
cara dor eu te condeno.
tu és afamada.
lutarei como um cavaleiro,
para ser meu e não teu.
sem espada nem veleiro.
és de terra, de mar e vento.
és pó, tempestade de areia.
vai, sai, esvai, cai.
renasce de mim,
liberta de mim.
para o mundo assim:
de Dor para Amor.

one kiss

quando naquela tarde te vi
eu me perdi de mim.
afinal tudo começou com um beijo,
ai de mim,
ai de ti.
ta te ti!
não era suposto.
quando naquela manhã te perdi,
a mim me encontrei e vi.
sem ti eu não morri,
sem ti eu assumi,
sem ti eu aprendi,
sem ti eu vivi.
ta te ti!
não era suposto.

sábado, 15 de janeiro de 2011

sinto

de olhos fechados
sinto,
sinto a brisa que me abraça.
enlaça!
num jogo mirambulante
de palavras soltas.
libertas de sentido,
inseguras de significado.
sinto,
sinto o odor da maresia.
sorrio e corro
pela areia molhada.
corro parada.
descalça de mim.
desclaça do mundo.
descalço-me para ti.
sinto,
sinto o ar que me leva
sinto a terra que me quer segura
sinto o fogo e a água.
(con)fundem-me.
o meu coração
ansioso por amar,
em pleno,
de tão grande sentir,
deseja viver,
num provir sereno
num mundo pequeno.